Há lugares onde o tempo parece repousar, onde as pedras, o vento e o mar guardam segredos antigos, contados apenas a quem sabe ouvir. Assim é a história da primeira sede da SAPT – Sociedade dos Amigos da Praia de Torres, o antigo Abrigo da SAPT, cuja memória resiste, discreta, na curva da Beira-Mar, onde a cidade de Torres encontra o azul infinito do oceano e as ondas ainda sussurram nomes e lembranças que persistem.
Foi em 13 de março de 1938 que se concretizou o sonho daqueles primeiros veranistas ilustres, reunidos desde fevereiro de 1936 no salão do Hotel Balneário Picoral, movidos pelo desejo de não apenas compartilhar os verões, mas fincar raízes e deixar marcas na paisagem e na história da Praia Grande. A oportunidade veio quando o então Prefeito Municipal Moysés Camilo de Farias concedeu uma pequena área à beira-mar, um recorte de terreno na encosta de uma rocha, na esquina onde a avenida Beira-Mar faz sua curva sobre o eio de pedestres, de frente para o mar aberto.
A empresa Macchiavello & Rúbio concebeu o projeto e ergueu o edifício como um marco de modernidade e elegância. Desde a rua, avista-se a plataforma superior, a laje de cobertura que se projeta como extensão natural do eio público, convidando os transeuntes a contemplarem o horizonte sem pisar na areia. A pequena construção, com características e influências do Art Déco, estilo marcante nos balneários de Mar del Plata, Miami e Porto Alegre, e tão estimado pelos arquitetos uruguaios que am a obra, era grandiosa pelo significado que carregava.
À direita, uma escada descia até o terraço semicircular e à entrada do edifício, carinhosamente chamado de “abrigo”. A fachada chanfrada, voltada para o mar, as pilastras marcando suas arestas e os adornos náuticos, corrimãos maciços, boias salva-vidas, bandeiras e o icônico relógio fixado na fachada, orientavam os banhistas e serviam de ponto de referência na movimentada praia que, agora, compunha a imagem da paisagem. Internamente, um modesto bar, cozinha e sanitários acolhiam os sócios em seus dias de verão.
O Abrigo, porém, não era apenas um apoio: foi cenário de encontros memoráveis à beira-mar. A faixa de areia logo à frente abrigava as famosas “barraquinhas” da SAPT, guarda-sóis de madeira com lona colorida, organizadas em fileiras impecáveis, onde sócios ou locatários desfrutavam da sombra e do mar.
Na década de 1950, com a inauguração da sede maior da SAPT, o Abrigo ou a funcionar como bar aberto ao público e, nos anos 1970, foi ampliado, ganhando sanitários externos para atender seus frequentadores. Um plano detalhado da época revelava a primorosa organização da praia: o Abrigo, as cem barracas, o posto de salvamento, quadras para a prática de esportes e uma “esteira” de o motorizado até o Rio Mampituba, numa proposta que buscava assemelhar-se aos balneários mais sofisticados da América do Sul.
Se para os veranistas era motivo de orgulho, para parte dos moradores de Torres a privatização da beira-mar pela elite porto-alegrense causava descontentamento. A presença das barracas e a ocupação dos espaços públicos geravam tensão social, reflexo das distinções entre aqueles que vinham ar a temporada e aqueles que ali residiam e trabalhavam o ano inteiro. Mesmo assim, o aluguel das barracas perdurou até a década de 1990, quando uma ação civil pública impediu a SAPT de apropriar-se daquela área pública.
O Abrigo, por sua vez, seguiu funcionando como estabelecimento comercial até ser cedido à Prefeitura de Torres, que ou a utilizá-lo como local de apoio para eventos e atividades esportivas, principalmente no verão. Contudo, sua integridade física ficou comprometida pela proximidade com o mar e pela ausência de cuidados e reconhecimento à sua importância histórica.
Importante lembrar que, desde sua inauguração, a sede do Abrigo sempre foi vista como provisória. Em 1948, nasceu o projeto ambicioso do Edifício Amigos de Torres, planejado para abrigar a nova sede da SAPT, um hotel e apartamentos. Inspirado em um “magnífico hotel de Miami”, seria um símbolo do desejo de transformar Torres num balneário de projeção internacional. Mas essa, já é história para outro capítulo.
E assim, entre marés e memórias, a primeira sede da SAPT resiste. E que siga resistindo, enquanto houver quem ouça o som das ondas e se lembre que ali, naquela curva da Praia Grande, ainda mora um pedaço da história de Torres.