Ao longo da vida, vamos fazendo amigos e, infelizmente, também alguns inimigos. Muitos desses amigos são apenas “conhecidos” que encontramos esporadicamente. Mas a maioria das pessoas com quem cruzamos no dia a dia, sequer sabemos quem são.
Antigamente, aqui em Torres, conhecíamos “todo mundo”. Se não reconhecêssemos alguém, logo perguntávamos: “Você é filho de quem? Qual o sobrenome da família?” E assim, rapidamente, localizávamos algum conhecido. Hoje, apesar de ainda conhecer muitas pessoas, sinto que, com o ar dos anos e o crescimento da população, aqueles poucos conhecidos foram se diluindo no meio dos desconhecidos, dando-me a sensação de não conhecer quase ninguém.
Fui professor na universidade por quase 20 anos e, nesse período, “renovei” minha base de conhecidos. No entanto, depois de 14 anos afastado, sinto-me novamente desatualizado. Ou seja, a maioria são desconhecidos, alguns poucos são “conhecidos”, menos ainda são amigos, e uma fatia minúscula é a família.
Atualmente, vivemos em bolhas. Bolhas de trabalho, sociais, esportivas, familiares — pequenos, médios ou grandes grupos que, ocasionalmente, se comunicam entre si. E foi dentro de uma dessas bolhas que conheci alguém cujo trabalho merece destaque: um artista, ativista e defensor do meio ambiente que se tornou um símbolo da luta pela preservação da paisagem natural de Torres.
Para o público em geral, ele é conhecido como o criador dos “agroglifos” — ou, seriam, “maréglifos”, se é que isso existe —, desenhos gigantes formados na areia das praias de Torres. Suas obras, produzidas silenciosamente durante a madrugada e finalizadas ao amanhecer, são manifestações artísticas que carregam um forte apelo ambiental. Em tempos que parece haver crescente desvalorização da natureza (pelo menos por parte de alguns), sua arte é um lembrete de que ainda existem pessoas dispostas a lutar por aquilo que sempre atraiu turistas e moradores para cá: a paisagem intacta.
A principal bandeira desse artista é a denúncia do que ele chama de “grilagem da paisagem”. Ele critica a invasão de “intrusos” no horizonte antes intocado da cidade, a verticalização desenfreada que obscurece a vista natural. Sabe que o que já foi feito é irreversível, mas acredita que ainda há muito a defender. E ele defende.
Para esse marisqueiro nato, o Parque da Guarita é seu quintal, e os verdadeiros tesouros zelados pelo “povo da beira” — ou os conhecidos “gnomos da Guarita” — não são metais preciosos, mas sim as falésias, o mar, a paisagem, o horizonte. A natureza, segundo ele, é um patrimônio de todos.
A Guarita, para ele, é a “Marisqueira Catedral”. Já as torres de concreto que poluem o horizonte antes livre representam um saque ao que há de mais precioso em Torres: sua vista natural. Sua mensagem, sempre presente em suas obras na areia, é clara: “Preserve Torres”.
“Preserve Torres”.
Paulo França — ou, com licença poética, Paulo “Torres” — é um dos poucos que realmente valorizam a bandeira da cidade, aquela que muitos sequer sabem que existe. Sempre com ela por perto, amarrada ao pescoço ou guardada em um cesto de vime (ou seria de palha de butiá?), ele não abre mão de seu manto sagrado.
Marisqueiro de quatro costados, Paulo França é o representante torrense da resistência ambientalista do litoral norte gaúcho. E, felizmente, sua arte continua ecoando nas areias, no mar e na paisagem que ele tanto se esforça para preservar.
Em tempos de mudanças rápidas e memórias curtas, figuras como Paulo França nos lembram que identidade e pertencimento não podem ser engolidos pelo progresso desenfreado. Sua luta não é apenas por Torres, mas por todos que acreditam que a beleza natural e a cultura local valem a pena ser protegidas. Que sua arte continue a falar, desenhando na areia as palavras que muitos ainda precisam ouvir.